Josias de Souza – No primeiro dia reservado pela CPI da Covid à oitiva de depoimentos, a estratégia do governo para enfrentar a investigação legislativa sofreu dois reveses. Num, o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta forneceu à comissão cópia de carta que entregou em 28 de março de 2020 ao presidente da República. O documento contém informações que dificultam o esforço do Planalto para reescrever o enredo da pandemia no Brasil.
Noutro revés, o também ex-ministro Eduardo Pazuello cavou uma desculpa para protelar o depoimento marcado para quarta-feira. Alegou que teve contato com dois coronéis infectados pelo coronavírus. Estaria, portanto, impedido de comparecer à CPI. Pazuello já contraiu a Covid-19 quando era ministro. Curiosamente, o único mal-estar que exibiu nas últimas horas foi o nervosismo com o treinamento que recebeu para o depoimento que conseguiu adiar por duas semanas.
Na carta que entregou a Bolsonaro no final de março do ano passado, quando ainda era ministro, Mandetta recomendou ao presidente uma revisão de suas posições anticientíficas. E alertou para a hipótese de ocorrer um “colapso do sistema de saúde”, com “gravíssimas consequências à saúde da população”.
Em reuniões com Bolsonaro e outros ministros, Mandetta informou que, na previsão mais pessimista de sua equipe, o Brasil colecionaria 180 mil mortos até o final de 2020 se não gerenciasse adequadamente a crise sanitária. Bolsonaro deu de ombros. O ano terminou com pouco mais de 190 mil cadáveres. Hoje, as vítimas do vírus somam mais de 400 mil.
Escrito há mais de um ano, o documento de Mandetta funcionará como uma espécie de vacina da CPI contra a tática de Bolsonaro de colocar a culpa nos outros. Nesse contexto, a fuga de Pazuello ajudou a expor os pés de barro do presidente. O general promoveu uma ocupação militar da Saúde, ajustando o gerenciamento da pandemia às idiossincrasias do capitão. Isso incluiu desde a defesa do tratamento precoce com medicamentos ineficazes como a cloroquina até a demora na aquisição de vacinas.
Considerando-se que Pazuello comandou a pasta da Saúde guiando-se pelo lema segundo o qual “um manda e o outro obedece”, o general teria de se autoincriminar para retirar Bolsonaro da mira da CPI. Daí a súbita adesão de Pazuello à estratégia do isolamento social.