Entre as sete comunidades quilombolas remanejadas em 1988 para a construção do Centro de Lançamento de Alcântara, um restaurante popular serve 200 refeições gratuitas todos os dias. A Cozinha Comunitária Quilombola de Marudá, inaugurada em 2017 e mantida pelo Governo do Maranhão, não parou mesmo com a pandemia e, para evitar aglomerações, encontrou uma solução: entregar quentinhas.
“Algum membro da família vem buscar a comida e leva pra casa. Nós orientamos que eles utilizem máscaras, evitem aglomerações e mantenham o distanciamento caso houver fila”, explica Deborah Helena, nutricionista do primeiro restaurante popular do Brasil voltado para quilombolas. Ela conta que o local, além de servir refeições gratuitas, desenvolve diversas atividades e cumpre um papel social nas comunidades.
“Essa cozinha é estrategicamente localizada em Marudá. Agora são 200 pessoas com ao menos uma refeição por dia garantida. E não é só isso, nós oferecemos capacitações que estimulam geração de renda, fazemos avaliação nutricional, reeducação alimentar”, diz.
Deborah cita como exemplo a oficina de panificação. Antigamente os moradores das agrovilas de Marudá, Cajueiro, Espera, Pepital, Peru, Ponta Seca e Só Assim precisavam se deslocar até a sede de Alcântara para comprar pães. Agora, como resultado das oficinas, eles produzem e comercializam o produto entre si.
Agricultura familiar
Nascido e criado em Marudá, Sidinaldo Bob Azevedo tem 37 anos e trabalha na Cozinha como fiscal administrativo. Ele explica que o local possui uma regra justamente para movimentar a economia local: a de que 30% do que é gasto para preparar as refeições deve ser comprado exclusivamente da agricultura familiar.
“A Cozinha chegou em Marudá para abranger as sete comunidades e foi uma benção, uma dádiva de Deus. Nós vivemos em quilombos, somos quilombolas, e aqui não temos nenhuma oportunidade de emprego. Então, a Cozinha veio com um ponto chave pra mudar tudo isso”, conta.
Bob Azevedo explica ainda que as comunidades viviam da pesca e, com o remanejamento, ficaram distantes dos rios e do mar, levando mais de 5 horas para chegar caminhando em algum desses locais.
“33 anos atrás nós fomos realocados, o processo de adaptação foi muito difícil, e a Cozinha nos ajudou com isso. A pesca, que era nossa segurança alimentar, se tornou muito distante. Agora, quase 30 anos depois, o Governo do Maranhão colocou essa benção aqui em Marudá, que é a Cozinha Quilombola, abrangendo as sete comunidades remanejadas pelo Centro”, diz.
Reeducação alimentar
Segundo Elma Alves Lemos, 42 anos, liderança da comunidade Pepital, muitos quilombolas não sabiam o que era educação alimentar, e agora, o significado está na ponta da língua de todos.
“Antes a gente sentava-se à mesa, achava que era só comer e pronto. E não é isso, é saber o que você está comendo, o que é proteína, carboidrato, vitamina, pro nosso bem-estar, pra nossa saúde, e a cozinha trouxe tudo isso. Os nutricionistas chegaram a visitar pessoas em suas casas, conversaram com diabéticos, mediram glicemia, fizeram um acompanhamento individual, e pra gente isso é de extrema importância”, diz.
Mãe solo de três crianças, a quilombola destaca ainda o papel social da Cozinha. “O espaço se transformou num lugar onde você conhece amigos, revê pessoas que você só encontraria em alguma ocasião especial. Antes da pandemia, quando a gente se reunia lá na Cozinha, a gente podia estar sentado frente a frente, rever amigos, o que é muito legal. Então, isso é uma conjunção familiar entre toda nossa comunidade”, afirma.